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segunda-feira, setembro 26, 2016

DANÇA LITÚRGICA



Edificando o Povo de Deus
Portal IPB - “SOBRE A SOMBRA DO ALTÍSSIMO”
Informativo

É nosso dever debater aqueles assuntos que versam sobre a vida de nossa Igreja, quanto à sua doutrina, prática e liturgia. É fato sobejamente experimentado em nossos dias, que há uma inclinação acentuada para a novidade e ênfase na criatividade humana como expressão litúrgica e teológica. 

Nosso tempo é de um exacerbado humanismo e subjetivismo e, aquilo que nos parecia impossível acontecer anos atrás, hoje nosso “espírito de boa convivência” já não luta, aceita e começamos a achar que tudo está bem. Corremos sempre o risco de, tal como aconteceu com os coríntios, nos unir em torno daquilo que deveria nos separar, e nos separar em torno do que deveria nos unir.

Chamo a atenção dos irmãos, desta feita, para um tema em particular, qual seja, a “dança como expressão litúrgica”. Muito comum em grupos carismáticos, o uso deste recurso em seus cultos; dança de louvor, ou melhor, o requebro, o meneio, o trejeito. Recorrem aos textos do Velho Testamento, onde supostamente encontram suporte bíblico para esta prática.

Sem pretender esgotar este assunto, apresento as considerações que se seguem.
O vocábulo “dança” é uma das possíveis traduções da palavra grega paizo e seus correlatos, bem como da palavra shireh da língua hebraica. São elas comumente traduzidas por: “agir como criança”, “brincar”, “dançar”, “gesticular”, “zombar”, “imitar”. É relacionada com o substantivo paidía ou paidiá trazendo sempre a ideia de “jogos eróticos”.

Paizo tal como foi usada pelos gregos, muito comumente denota este verbo, “falta de seriedade com alguma coisa em termos de atitude ou conduta”. Significa também, “saga levianamente tratada ou inventada”, “gesticular”, “zombar”, “ridicularizar”, “lascívia”, “libertinagem”, “licenciosidade”, “tolice” e "estupidez.

No contexto do Velho Testamento e da Septuaginta, a brincadeira encontra expressão na natureza religiosa e cúltica dos jogos de danças no mundo oriental primitivo e antigo. Os deuses eram venerados por meio de jogos e danças. No culto do mundo ao redor do Velho Testamento e do Novo Testamento encontramos muitos jogos e danças como meio de expressar a piedade.

Encontramos também no Velho Testamento danças por ocasião das celebrações de vitória (Ex. 15:20; Jz 11:34). Duas razões juntas, para a manifestação pela dança. A primeira, a demonstração da alegria pela vitória alcançada. A Segunda, uma tremenda zombaria pelo inimigo derrotado. Dançar como expressão de escárnio era algo que, de fato, ofendia os brios do inimigo. Quanto a isso tem muito a dizer o Dr. W. O. E. Oesterday em seu elucidativo livro “The Sacred Dance” (1923). Estas celebrações são encontradas especialmente nos contextos de guerra, tal como, por exemplo, I Crônicas 13:8; 15:29; e II Samuel 6: 14. De acordo com o articulista no dicionário teológico de Kithel, a manifestação “mais orgiástica foi a dança diante da arca, relatada em II Samuel 6:14-16”, também num contexto de vitória de guerra.

Por ocasião da festas da colheita haviam manifestações de dança, como registra Juizes 21:21. Estas manifestações eram sempre de uma dança harmoniosamente desenvolvida por um grupo, a qual narrava uma história. Eram manifestações legítimas do folclore. Há que se fazer uma distinção entre a dança como expressão artística e o requebro sem arte, que tem como intenção carnal, dar evidência às curvas do corpo e destaque às suas partes eróticas.

Nos Salmos cúlticos (26:6; 42:4; 149:3; 150:4) aparece a palavra shireh. Estes contextos nos fazem lembrar as procissões promovida pelo povo, rumo ao templo. No templo, o culto era o mais impeditivo possível. Os que entravam no átrio eram somente os sacerdotes, dentre esses somente o sumo-sacerdote adentrava ao santo dos santos. Do “auditório” não se ouvia nenhum som de louvor. Os cantores, ministros do canto, entoavam os louvores (estes eram também sacerdotes). Ao povo em geral não se lhe era dado o direito de pisar o átrio. 

Os homens tinham o seu espaço, as mulheres outro mais atrás, os gentios atrás do muro. (Jesus revela sua indignação no templo, pois, o lugar dos gentios estava ocupado pelos vendedores. Jesus afirma, então, que aquela casa será chamada “casa de oração para todos os povos”). Sendo assim, se o povo não participava da “cerimônia” propriamente, encontraram eles uma maneira de expressão, e esta foi no “caminhar para o templo. Ajuntando a multidão, engrossando a procissão, cantavam salmos. Os salmos cúlticos se reportam a isso, e a palavra acima mencionada é assim traduzida “andarei”, “passava eu com a multidão do povo”, “com adufes e harpa”, “com adufes e danças”. Somente o Salmo 150:4, em algumas versões, a palavra shireh e traduzida por dança.

Nas passagens escatológicas encontramos as seguintes traduções para a mesma palavra: Jeremias 31:4 “dança”; 30:19 “júbilo”; e Zacarias 8:5 “brincarão”.

Outras passagens são encontradas, a saber: I Reis 18:26; onde lemos a referência ao “manquejar” dos profetas ao redor do altar de Baal. Em Juizes 16:25-27 que narra o infortúnio de Sansão, quando é trazido para o palácio. Ali a palavra é traduzida por “divertir”, “escárnio”. Em Êxodo 32:6, o povo de Israel, recém liberto do cativeiro egípcio, dança diante do bezerro de ouro. Ilustrativas são as passagens de Gênesis 21:9 e 26:8. A primeira fala de Ismael que “caçoava” (ridicularizava) de Isaque, o que provoca em Sarah uma profunda indignação. 

A passagem seguinte ilustra o porquê desta indignação, pois em 26:8 esta palavra é traduzida por “acariciava”. É Isaque, agora casado, acariciando Rebeca. O motivo da indignação, portanto, estava no fato de Ismael ridicularizar Isaque com meneios, trejeitos, passando-lhe a mão, dançando ao seu derredor. No livro do profeta Isaías este sentido vem ainda mais à luz. No capítulo 3, verso 16 há uma descrição daquelas mulheres que com disposição frívola “andam a passos curtos” (a mesma palavra é aqui usada). Seus meneios e trejeitos, passos afetados, com intenção de minar a moral do povo.

No Novo Testamento a palavra paízo ocorre somente em I coríntios 10:7, fazendo citação do Velho Testamento em Êxodo 32:6. É o repudiar de todo culto pagão. Aqui está relacionado com a idolatria. O texto de Êxodo se refere a uma dança cúltica. Como em Gênesis 26:8; 39:14-17, a palavra que ali aparece tem um sentido erótico. Assim pode ela denotar, tanto idolatria como licenciosidade cúltica: frequentemente com ela associada. Tertuliano em De Jejunio, fala seis vezes do Lusus Impudidus, se referindo ao acontecimento narrado em Êxodo 32:6, descrevendo aquela manifestação, portanto, como danças vergonhosas. Para os crente de coríntios, também, a diversão das festas sacrificiais era uma grande tentação à idolatria.

Se a palavra paizo é encontrada uma única vez, sua correlata empaizo é encontrada mais vezes. Seus significados são: “jogar”, “dançar ao redor”, “caçoar”, “ridicularizar”, “iludir”, “defraudar”. Esta palavra pertence ao grupo das usadas para “depreciação” ou “ridicularizar”, “levantar o nariz”, “balançar a cabeça”, “bater as mãos como sinal de insulto ou escárnio”, “fazer brincadeiras”. Deriva de “arrogância”, “mostrar superioridade”, “hostilidade” e “aversão” (Gn. 19:14; Is. 28:7 e seguintes).

O verbo empaizein ocorre somente nos evangelhos sinóticos. Sua primeira ocorrência se dá em Mateus 2:16, quando Herodes é enganado pelos sábios, que ao invés de voltarem por Jerusalém, deixam-no a esperar. Em Lucas 14:29, encontramos a parábola do construtor imprudente que é ridicularizado por seus circunstantes pelo fato de não poder levar a cabo o término da construção.

Todas aos outras passagens se referem a Jesus Cristo. Na predição de sua paixão a encontramos Mateus 20:19; Marcos 10:34 e Lucas 18:32. Ali esta palavra é sempre traduzida por “escarnecer”. Também na história de sua paixão, cumprindo suas próprias predições – Marcos 15:16-20, e Mateus 27:27-31. O ato dos soldados colocando uma coroa de espinhos, um manto de púrpura, saudando-o, golpeando-o com um caniço, cuspindo e curvando-se diante dele – constitui o escárnio. O texto de João 19:1-3, usa esta palavra para descrever o incidente como um todo. É o espetáculo. Mateus 26:67-68, Marcos 14:65 e Lucas 22:63-65 tem sua contra partida em Jeremias 51:18, pois os ídolos são objetos de escárnio “obra ridícula”. 

Assim tratavam a Cristo, representando um macabro bailado ao seu derredor. Este Jesus que arroga ser Deus, não é outra coisa nesta sanha diabólica senão “obra ridícula”. É o inferno que se levanta contra o Ungido de Deus. Cristo em sua agonia é a ridícula personagem da coreografia satânica.
Mas ali, quem de fato, estava sendo exposto ao vexame, era a “antiga serpente”. Três dias depois o drama se conclui e os bailarinos do “dragão” perdem o ritmo. A “cabeça da serpente” está esmagada.

Outros textos onde a palavra aparece são os seguintes: Hebreus 11:36 (escárnio); 11:26 (prazeres transitórios); Judas 18 (escarnecedores - andando) e II Pedro 3:3 (ecarnecedores ... Com escárnios ...Andando).

Concluímos, afirmando que, não há uma referência sequer que no culto do Novo Testamento tenha havido manifestação da dança cúltica. Nem mesmo na Igreja dos Pais Apostólicos, e nem ainda na Reforma Protestante do Século XVI. Interessante! Por que não? Pelo menos por quatro razões:
Primeiro, a dança era um costume pagão e procurou-se na Igreja Apostólica evitar qualquer associação. O princípio da associação deveria ser levado em conta. Não somente aquilo que era mal, mas também tudo aquilo que pudesse se parecer com o mal. Se fizesse o povo lembrar dos cultos pagãos dos quais muitos crentes eram egressos, evitar-se-ia!

Em segundo lugar, pelo fato, que foi deixado em relevo por Paulo aos Coríntios. A dança atentava-lhes a idolatria, abria-lhes as portas à licenciosidade e dava vazão ao erotismo. Nada de dança, a Igreja de Jesus é uma comunidade de separados, chamados à pureza e à santidade!

Em terceiro lugar, porque o culto do Novo Testamento é adjetivado como “Logikem Latria” (culto racional), ou melhor, supre-sensual. Não necessitamos mais dos recursos visuais externos. Nosso culto é em espírito e em verdade. A palavra usada por Jesus Cristo em sua conversa com a mulher samaritana é significativa. Várias são as palavras que poderiam ser traduzidas pelo vocábulo “verdade” na língua grega. A palavra, no entanto, usada por Jesus, não se contrapõe a ideia de “mentira”. A palavra é contraposta, sim, a “símbolo”, “tipo”, “figura”; recursos estes usados no culto do Velho Testamento. Arrependimento era o “por cinzas na cabeça, vergonha era simbolizada pelo “rasgar das vestes”, submissão era o “orar com o rosto em terra”, a remissão dos pecados se dava pelo “derramar do sangue de animais”, etc. Nosso culto hoje não necessita destas figuras, pois, é um culto supra sensual, a “verdade” anteriormente apresentada por símbolos encontra sua expressão. Jesus! Quem tem Cristo adora “em espírito e em verdade”.

Em quarto lugar, e mais importante que tudo mais, o culto no Novo Testamento não permita a manifestação de “dança sagrada” pelo fato de que toda dança, meneio de corpos, requebros, fazia lembrar o escárnio de Cristo. O Dicionário Teológico do Novo Testamento de Kithel afirma: “Seja o fato dos soldados aqui estarem observando um costume (religioso), específico, ou seguindo práticas do sacrifício persa, por exemplo, ou estarem simplesmente expondo o suposto rei dos judeus ao ridículo, é muito difícil ter qualquer certeza. Contudo, é certo de que este escárnio se dava num contexto de dança e drama. Um show, um espetáculo, um ato público civil e religioso. A dança cúltica fazia os crentes da Igreja Apostólica lembrarem-se da horripilante coreografia desenhada a derredor do Salvador.

Hoje, vemos em alguma Igreja Presbiterianas não propriamente a dança artística, ainda assim condenável no culto. Pior que isso, vemos o requebro sensual, expressão de carnalidade com ares de piedade.

Sendo assim, irmãos, creio eu, que devemos orientar os irmãos. Todos nós juntos não permitiremos que o produto da “criatividade” de alguns crentes inadvertidos e outros mal intencionados, vá tomando fôlego em nosso meio.

PELOS LAÇOS DA CRUZ DE CRISTO



Ex-secretário Executivo da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Rev. Ludgero Bonilha Moraes
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