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quarta-feira, março 05, 2014

PORTA DA FRENTE










Por mais pagã que tenha se tornado a festa do Natal, há um traço nesta data que teima em subsistir: o traço da inocência infantil. Este Natal foi realmente diferente, pois fomos presenteados com uma menina que, como todo bebê, irradia uma inocência realmente luminosa e inunda o coração de uma esperança poderosa. Se este traço subsiste, é justamente porque a inocência é um antídoto poderoso contra a falta de esperança, mal crônico desse nosso tempo que corre. A esperança lança o espírito para além do temporal e da matéria e, junto com a fé, anima-nos a prosseguir no caminho certo, mesmo que muitas vezes cansados.

Mas, como há dois mil anos, os inimigos da inocência estão à espreita e, como Herodes, querem a todo custo lançar à fogueira tudo o que é inocente e puro. Uma festa reconhecida como de paz, inclusive por muitos não cristãos, tendo capazes de fazer um humor fino e elegante, produzem espasmos intestinais em sorna-se motivo de escárnio para os bobos da corte herodiana moderna. Estes, não série, cujo resultado só poderia desembocar mesmo no tal "Porta dos Fundos", para a loucura e o deleite de muitos, ávidos por um mergulho cada vez mais sem graça no mar de lama em que vai se transformando a humor da pátria brasileira.

As enquetes do grupo, celebradíssimo pela classe politicamente correta que tomou de assalto este país, todavia, levam-nos a intuir algumas conclusões. A mais marcante envolve  certo grau de idiotice. O idiota é aquele que olha apenas para si mesmo, para as suas necessidades mais imediatas e básicas, sem se importar com nada ao seu redor. Em resumo: ele é a antítese do homem civilizado. Ortega y Gasset diz que, para essas criaturas, tudo é selva e tudo está em seu estado natural. Tomando a liberdade como exemplo, da qual esse grupo de “porteiros de quintal” tripudiou em seu "especial de natal", não se trata bem conquistado por uma geração de pessoas, mas arduamente reconquistado por cada geração na medida em que seu viés libertário foi ganhando maior espaço.

Quando tal viés ganha as dimensões de uma patologia nacional, estamos dinamitando toda a escala de valores na qual se assenta uma sociedade verdadeiramente livre e, ao invés de termos mais liberdade, teremos a lei do mais forte, do mais cínico e descarado, enquanto a maioria da população - se não piedosa ela mesma, ao menos respeitadora da religiosidade alheia - vai sendo acuada por um humor de nível rasteiro, cujos protagonistas vangloriam-se de vender (e caro) um produto de baixa qualidade. Ao menos, o rótulo desse produto é coerente com a nulidade criativa que o caracteriza...

Ao cabo, no mundo cada vez mais vulgar em que vivemos os quadros desse humor de uma nota só lembram muito os funerais: as marcações dos atores são perfeitas, os figurantes segue à risca a cartilha cênica e o resultado final é perfeitamente previsível. Ou, ainda, os casamentos das celebridades, nos quais o exibicionismo festivo costuma cruzar a linha do grotesco.

Num ou noutro caso, nosso olhar mais calibrado acaba por despertar o humor reprimido que há em nós. Sempre ouvi muitas piadas em funerais e em casamentos. Mas as melhores sempre foram as mais inteligentes, porque imbuídas de certa proporção: sem apelação e com respeito à essência do fato que virou piada. Em suma, foram piadas que entraram pela “porta da frente” de meus tímpanos...

Convém ao homem civilizado, que ainda tem a cabeça mais em cima e não mais embaixo, o dever de reagir. Recorrendo, em primeiro lugar, à ordem da justiça e, depois, esperando não estar muito atrasado, pois, neste caso, não tardará o dia em que teremos de oferecer a outra face em sinal de desafio e não mais como um símbolo de mansidão. Se, por um lado, é um tanto ridículo manter-se sério diante de todo bom humor, por outro, mais ridículo ainda é mostrar-se monotonamente orgulhoso de um “humor mais do mesmo” que, numa espécie de homenagem que o vício presta à virtude, entra, por mais que eles “pensem” muito e esforcem-se “criativamente”, invariavelmente, pela “porta dos fundos”.

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André Gonçalves Fernandes é bacharel  mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Atualmente é juiz de direito titular de entrância final e professor do CEU-IICS Escola de Direito. Membro da Escola do Pensamento do Instituto de Formação e Educação (IFE - www.ife.br Coordenador do IFE-Campinas). É pós-graduando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP e pesquisador do grupo Paideia, na linha de ética, política e educação (FE/UNICAMP). Articulista da Escola Paulista da Magistratura e do Correio Popular de Campinas, com especialidade na área de Filosofia do Direito, De ontologia Jurídica, Estado e Sociedade. Tem experiência profissional na área de Direito, com especialidade em Direito Civil, Direito de Família, De ontologia Jurídica, Filosofia do Direito e Hermenêutica Jurídica. Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group (Diálogos entre Cultura, Ciência, Filosofia e Teologia). Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas. Detentor de vários prêmios em concursos de monografias jurídicas. Autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas.







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