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terça-feira, agosto 16, 2011

A ADVERDIDADE DOS COGUMELOS

CUIDANDO DA SAÚDE












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Pesquisador solitário cataloga espécies até desconhecidas da Ciência

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Num país de florestas, onde a variedade de árvores nobres é imensa e chega a dar vertigem observar, lá em cima, a copa de gigantes como o jequitibá, a sumaúma ou a araucária, são poucos os interessados em voltar os olhos para baixo e pesquisar a diversidade de pequenas plantas, chamadas de inferiores, porque não realizam fotossíntese. Nossos fungos ou cogumelos crescem, assim, como ilustres desconhecidos em meio a restos de folhas, no chão das matas ou sobre troncos e galhos em decomposição. Cumprem, sem alarde, o papel fundamental de reciclar e disponibilizar os nutrientes para todas as outras plantas, incluindo as árvores nobres.
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Enquanto cada espécie da flora considerada útil tem 3 ou mais nomes - indígenas, populares e científicos - a maioria dos cogumelos brasileiros é chamada por apelidos genéricos. Eles refletem apenas a associação a mitos e lendas - casinha-de-sapo, por exemplo - ou à diversidade de formas - orelha-de-pau, ninho de pássaro, estrela, taça, esponja e chapéu, com ou sem 'rendas'. Nas matas de Antonina, no Paraná, porém, um especialista em cogumelos, micólogo autodidata, anda na contramão dessa falta de interesse.
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O holandês André de Meijer mora há 25 anos no Brasil e, neste período, entre a Mata Atlântica e a Mata de Araucária, já reconheceu e ajudou a catalogar 1.000 espécies de macro fungos, cogumelos que possuem corpo frutífero e podem ser vistos a olho nu. Para apresentar pelo menos uma parte delas ao grande público, Meijer agora trabalha em um livro ilustrado, com as 100 principais espécies representadas em aquarelas, a ser editado em português e inglês, em parceria com a Embrapa Florestas. A instituição recebe todas as amostras coletadas, para análise. E Meijer também conta com apoio da entidade ambientalista Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).
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Os cogumelos já catalogados, muitos deles novos para a Ciência, variam em diâmetro de meio milímetro - tamanho da cabeça de um alfinete - até 1 metro. "As espécies do gênero Mycenae, por exemplo, são muito pequenas. Às vezes seu chapéu chega a apenas 3 mm. Quase que não dá para enxergar", observa André de Meijer. "Uma vez estava fazendo um trabalho, ajoelhei na floresta e fiquei vasculhando 1 metro quadrado, onde encontrei 8 espécies diferentes desse fungo. Demorei uma hora para encontrar o último".
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Em outubro de 2003, ao contrário, a surpresa foi topar com um cogumelo que tinha 60 cm de diâmetro em seu chapéu, uma haste de 40 cm e pesava 2 kg. O Macrocybe titans foi localizado junto à comunidade do Lageado, no município de Antonina. A biomédica Maria Angela Amazonas, parceira do holandês, estuda as propriedades do gigante. "Aqui na Embrapa, queremos ver se esse cogumelo é comestível ou não, além de avaliar seu potencial de mercado", explica a pesquisadora.
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Outra espécie de interesse, encontrada na Reserva da Cachoeira, da SPVS, de 8.700 hectares, é o Ganoderma stipitatum, um fungo de consistência dura, pé curto, chapéu aplainado, cor marrom escura meio avermelhada, brilhante e liso, como se tivesse sido envernizado. O exemplar coletado possui uma seqüência de três camadas de chapéus, num total de 35 cm de diâmetro. Ele é parecido com outra espécie do mesmo gênero - Ganoderma lucidum - nativa do hemisfério norte e cultivada comercialmente por suas propriedades medicinais contra tumores, inflamações e vírus. A expectativa é de que a espécie brasileira tenha propriedades semelhantes às da norte americana.
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"Estamos aguardando a liberação de recursos do governo, com financiamento do Banco Mundial, para iniciar um projeto na área de macro fungos, com a duração de três anos e a participação de várias instituições paranaenses", diz Maria Angela. "Meu sonho é que as pesquisas sobre cogumelos levem à descoberta de cura para várias doenças", completa Meijer. Ele mora sozinho, em uma cabana de madeira, no meio do mato, na reserva da SPVS. E lamenta a falta de interlocutores. "Na Holanda existem cerca de 2.500 espécies de fungos e uns 30 pesquisadores especializados. Só aqui no Paraná são 1.700 espécies conhecidas, mas eu sou o único pesquisador".
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Seu isolamento, associado ao fato de não ter nascido no Brasil, faz com que algumas pessoas o vejam como um estrangeiro mais interessado em biopirataria do que em pesquisas que beneficiem o país. "Às vezes até me sinto como o Holandês Voador, da lenda do século 17, capitão de um navio fantasma condenado a navegar eternamente, sem poder atracar em nenhum porto", resume. "Continuo me sentindo como um estrangeiro, mesmo com 25 anos de Brasil, mas tudo o que quero é ser tratado como colega pelos outros pesquisadores e poder trocar experiências".
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Se falta um diploma universitário a Meijer, sobram conhecimentos práticos, adquiridos em pacientes e atentas caminhadas pelas matas, e pela leitura de livros e mais livros, por horas a fio, em português, holandês ou inglês. Meijer comenta que a biodiversidade brasileira ainda o impressiona. "Em toda a Holanda, há 200 espécies de pássaros. O mesmo número que existe aqui, nesta reserva florestal", afirma.
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Além dos cogumelos, observar aves na mata é outra paixão do holandês e ele também faz um catálogo de espécies, enquanto aguarda a licença para continuar a pesquisar fungos na floresta. Sabe de cor o nome da maioria, a época em que estão na reserva e quando vão embora, pois muitas são migratórias. Apesar de as pessoas o considerarem um ermitão, ele não é avesso a conversar e receber visitas. E a boa prosa pode se estender por muitas horas, principalmente quando o assunto é cogumelo.
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Bem disposto, apesar do frio, o holandês acompanha nossa reportagem num giro pela mata de Antonina. Em cerca de uma hora, aponta e identifica uma dezena de espécies, de aspecto e uso provável bem diferenciados. O chapéu branco, cheio de texturas do Polyporus tenuiculus e a consistência firme do Armillaria, por exemplo, parecem indicar bom potencial culinário. As orelhas-de-pau dos gêneros Phellinus e Stereum remetem aos costumes dos índios ashaninka do Acre, que assam fungos semelhantes na brasa, com um pouco de sal e envoltos na palha de sororoca (nome genérico de plantas do gênero Calathea).
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Já o vermelho vivo do Higrocybe alerta para uma possível toxicidade, enquanto o contorno disforme do Tyromyces e a semelhança do Xylariaceae com um plástico colado ao tronco, que lhe serve de suporte, nos fazem pensar em aplicações farmacêuticas ou mesmo químicas. No universo dos fungos, porém, mais do que em qualquer outro, as aparências enganam. E o engano pode ser fatal. Não são poucas as histórias de acidentes, com famílias inteiras intoxicadas pelo consumo indevido de espécies perigosas, confundidas com cogumelos comestíveis. Por isso, melhor mesmo é aguardar as avaliações da Embrapa Florestas, para saber exatamente o que esperar da biodiversidade dos fungos paranaenses, aos poucos revelada pelo holandês voador.
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João Prudente - Paraná


















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