Edificando o Povo de Deus
Portal IPB - “SOBRE
A SOMBRA DO ALTÍSSIMO”
Informativo
É nosso dever debater
aqueles assuntos que versam sobre a vida de nossa Igreja, quanto à sua
doutrina, prática e liturgia. É fato sobejamente experimentado em nossos dias,
que há uma inclinação acentuada para a novidade e ênfase na criatividade humana
como expressão litúrgica e teológica.
Nosso tempo é de um exacerbado humanismo
e subjetivismo e, aquilo que nos parecia impossível acontecer anos atrás, hoje
nosso “espírito de boa convivência” já não luta, aceita e começamos a achar que
tudo está bem. Corremos sempre o risco de, tal como aconteceu com os coríntios,
nos unir em torno daquilo que deveria nos separar, e nos separar em torno do
que deveria nos unir.
Chamo a atenção dos
irmãos, desta feita, para um tema em particular, qual seja, a “dança como
expressão litúrgica”. Muito comum em grupos carismáticos, o uso deste recurso
em seus cultos; dança de louvor, ou melhor, o requebro, o meneio, o trejeito.
Recorrem aos textos do Velho Testamento, onde supostamente encontram suporte bíblico
para esta prática.
Sem pretender
esgotar este assunto, apresento as considerações que se seguem.
O vocábulo “dança” é
uma das possíveis traduções da palavra grega paizo
e seus correlatos, bem como da palavra shireh
da língua hebraica. São elas comumente traduzidas por: “agir como criança”,
“brincar”, “dançar”, “gesticular”, “zombar”, “imitar”. É relacionada com o
substantivo paidía ou paidiá trazendo sempre a ideia de “jogos eróticos”.
Paizo tal como foi usada
pelos gregos, muito comumente denota este verbo, “falta de seriedade com alguma
coisa em termos de atitude ou conduta”. Significa também, “saga levianamente
tratada ou inventada”, “gesticular”, “zombar”, “ridicularizar”, “lascívia”,
“libertinagem”, “licenciosidade”, “tolice” e "estupidez.
No contexto do Velho
Testamento e da Septuaginta, a brincadeira encontra expressão na natureza
religiosa e cúltica dos jogos de danças no mundo oriental primitivo e antigo.
Os deuses eram venerados por meio de jogos e danças. No culto do mundo ao redor
do Velho Testamento e do Novo Testamento encontramos muitos jogos e danças como
meio de expressar a piedade.
Encontramos também
no Velho Testamento danças por ocasião das celebrações de vitória (Ex. 15:20; Jz 11:34).
Duas razões juntas, para a manifestação pela dança. A primeira, a demonstração
da alegria pela vitória alcançada. A Segunda, uma tremenda zombaria pelo
inimigo derrotado. Dançar como expressão de escárnio era algo que, de fato,
ofendia os brios do inimigo. Quanto a isso tem muito a dizer o Dr. W. O. E. Oesterday
em seu elucidativo livro “The
Sacred Dance” (1923). Estas celebrações são encontradas
especialmente nos contextos
de guerra, tal como, por exemplo, I Crônicas 13:8; 15:29; e II
Samuel 6: 14. De acordo com o articulista no dicionário teológico de Kithel, a
manifestação “mais orgiástica foi a dança diante da arca, relatada em II Samuel
6:14-16”, também num contexto de vitória de guerra.
Por ocasião da festas da colheita haviam
manifestações de dança, como registra Juizes 21:21. Estas manifestações eram
sempre de uma dança harmoniosamente desenvolvida por um grupo, a qual narrava
uma história. Eram manifestações legítimas do folclore. Há que se fazer uma
distinção entre a dança como expressão artística e o requebro sem arte, que tem
como intenção carnal, dar evidência às curvas do corpo e destaque às suas
partes eróticas.
Nos Salmos cúlticos
(26:6; 42:4; 149:3; 150:4) aparece a palavra shireh. Estes contextos nos fazem
lembrar as procissões promovida pelo povo, rumo ao templo. No templo, o culto
era o mais impeditivo possível. Os que entravam no átrio eram somente os
sacerdotes, dentre esses somente o sumo-sacerdote adentrava ao santo dos
santos. Do “auditório” não se ouvia nenhum som de louvor. Os cantores,
ministros do canto, entoavam os louvores (estes eram também sacerdotes). Ao
povo em geral não se lhe era dado o direito de pisar o átrio.
Os homens tinham
o seu espaço, as mulheres outro mais atrás, os gentios atrás do muro. (Jesus
revela sua indignação no templo, pois, o lugar dos gentios estava ocupado pelos
vendedores. Jesus afirma, então, que aquela casa será chamada “casa de oração
para todos os povos”). Sendo assim, se o povo não participava da “cerimônia”
propriamente, encontraram eles uma maneira de expressão, e esta foi no
“caminhar para o templo. Ajuntando a multidão, engrossando a procissão,
cantavam salmos. Os salmos cúlticos se reportam a isso, e a palavra acima
mencionada é assim traduzida “andarei”, “passava eu com a multidão do povo”,
“com adufes e harpa”, “com adufes e danças”. Somente o Salmo 150:4, em algumas
versões, a palavra shireh e traduzida por dança.
Nas passagens
escatológicas encontramos as seguintes traduções para a mesma palavra: Jeremias
31:4 “dança”; 30:19 “júbilo”; e Zacarias 8:5 “brincarão”.
Outras passagens são encontradas, a saber: I Reis 18:26; onde lemos a referência ao
“manquejar” dos profetas ao redor do altar de Baal. Em Juizes 16:25-27 que
narra o infortúnio de Sansão, quando é trazido para o palácio. Ali a palavra é
traduzida por “divertir”, “escárnio”. Em Êxodo 32:6, o povo de Israel, recém
liberto do cativeiro egípcio, dança diante do bezerro de ouro. Ilustrativas são
as passagens de Gênesis 21:9 e 26:8. A primeira fala de Ismael que “caçoava”
(ridicularizava) de Isaque, o que provoca em Sarah uma profunda indignação.
A
passagem seguinte ilustra o porquê desta indignação, pois em 26:8 esta palavra
é traduzida por “acariciava”. É Isaque, agora casado, acariciando Rebeca. O
motivo da indignação, portanto, estava no fato de Ismael ridicularizar Isaque
com meneios, trejeitos, passando-lhe a mão, dançando ao seu derredor. No livro
do profeta Isaías este sentido vem ainda mais à luz. No capítulo 3, verso 16 há
uma descrição daquelas mulheres que com disposição frívola “andam a passos
curtos” (a mesma palavra é aqui usada). Seus meneios e trejeitos, passos
afetados, com intenção de minar a moral do povo.
No Novo Testamento a palavra
paízo ocorre somente em I coríntios 10:7, fazendo citação do Velho Testamento
em Êxodo 32:6. É o repudiar de todo culto pagão. Aqui está relacionado com a idolatria. O texto de
Êxodo se refere a uma dança cúltica. Como em Gênesis 26:8; 39:14-17, a palavra
que ali aparece tem um sentido erótico. Assim pode ela denotar, tanto idolatria como licenciosidade cúltica:
frequentemente com ela associada. Tertuliano em De Jejunio, fala seis vezes do Lusus Impudidus, se
referindo ao acontecimento narrado em Êxodo 32:6, descrevendo aquela
manifestação, portanto, como danças
vergonhosas. Para os crente de coríntios, também, a diversão
das festas sacrificiais era uma grande tentação à idolatria.
Se a palavra paizo é
encontrada uma única vez, sua correlata empaizo é encontrada mais vezes. Seus
significados são: “jogar”, “dançar ao redor”, “caçoar”, “ridicularizar”,
“iludir”, “defraudar”. Esta palavra pertence ao grupo das usadas para
“depreciação” ou “ridicularizar”, “levantar o nariz”, “balançar a cabeça”, “bater as mãos como sinal de insulto ou escárnio”, “fazer
brincadeiras”. Deriva de “arrogância”, “mostrar superioridade”, “hostilidade” e
“aversão” (Gn. 19:14; Is. 28:7 e seguintes).
O verbo empaizein ocorre somente nos
evangelhos sinóticos. Sua primeira ocorrência se dá em Mateus 2:16, quando
Herodes é enganado pelos sábios, que ao invés
de voltarem por Jerusalém, deixam-no a esperar. Em Lucas 14:29, encontramos a
parábola do construtor imprudente que é ridicularizado
por seus circunstantes pelo fato de não poder levar a cabo o término da
construção.
Todas aos outras
passagens se referem a Jesus Cristo. Na predição de sua paixão a encontramos
Mateus 20:19; Marcos 10:34 e Lucas 18:32. Ali esta palavra é sempre traduzida
por “escarnecer”. Também na história de sua paixão, cumprindo suas próprias
predições – Marcos 15:16-20, e Mateus 27:27-31. O ato dos soldados colocando
uma coroa de espinhos, um manto de púrpura, saudando-o, golpeando-o com um
caniço, cuspindo e curvando-se diante dele – constitui o
escárnio. O texto de
João 19:1-3, usa esta palavra para descrever o incidente como um todo. É o
espetáculo. Mateus 26:67-68, Marcos 14:65 e Lucas 22:63-65 tem sua contra
partida em Jeremias 51:18, pois os ídolos são objetos de escárnio “obra
ridícula”.
Assim tratavam a Cristo, representando um macabro bailado ao seu
derredor. Este Jesus que arroga ser Deus, não é outra coisa nesta sanha
diabólica senão “obra ridícula”. É o inferno que se levanta contra o Ungido de
Deus. Cristo em sua agonia é a ridícula personagem da coreografia satânica.
Mas ali, quem de
fato, estava sendo exposto ao vexame, era a “antiga serpente”. Três dias depois
o drama se conclui e os bailarinos do “dragão” perdem o ritmo. A “cabeça da
serpente” está esmagada.
Outros textos onde a palavra aparece são os seguintes: Hebreus 11:36 (escárnio);
11:26 (prazeres transitórios); Judas 18 (escarnecedores - andando) e II Pedro
3:3 (ecarnecedores ... Com escárnios ...Andando).
Concluímos, afirmando que, não há uma referência sequer que no culto do Novo
Testamento tenha havido manifestação da dança cúltica. Nem mesmo na Igreja dos
Pais Apostólicos, e nem ainda na Reforma Protestante do Século XVI.
Interessante! Por que não? Pelo menos por quatro razões:
Primeiro, a dança era um costume pagão e procurou-se na Igreja Apostólica
evitar qualquer associação. O princípio da associação deveria ser levado em
conta. Não somente aquilo que era mal, mas também tudo aquilo que pudesse se
parecer com o mal. Se fizesse o povo lembrar dos cultos pagãos dos quais muitos
crentes eram egressos, evitar-se-ia!
Em segundo lugar, pelo fato, que foi deixado em relevo por Paulo aos Coríntios. A dança atentava-lhes a idolatria,
abria-lhes as portas à licenciosidade e dava vazão ao erotismo.
Nada de dança, a Igreja de Jesus é uma comunidade de separados, chamados à
pureza e à santidade!
Em terceiro lugar, porque o culto do Novo Testamento é adjetivado como “Logikem
Latria” (culto racional), ou melhor, supre-sensual. Não necessitamos mais dos
recursos visuais externos. Nosso culto é em espírito e em verdade. A palavra
usada por Jesus Cristo em sua conversa com a mulher samaritana é significativa.
Várias são as palavras que poderiam ser traduzidas pelo vocábulo “verdade” na
língua grega. A palavra, no entanto, usada por Jesus, não se contrapõe a ideia
de “mentira”. A palavra é contraposta, sim, a “símbolo”, “tipo”, “figura”;
recursos estes usados no culto do Velho Testamento. Arrependimento era o “por
cinzas na cabeça, vergonha era simbolizada pelo “rasgar das vestes”, submissão
era o “orar com o rosto em terra”, a remissão dos pecados se dava pelo
“derramar do sangue de animais”, etc. Nosso culto hoje não necessita destas
figuras, pois, é um culto supra
sensual, a “verdade” anteriormente apresentada por símbolos
encontra sua expressão. Jesus! Quem tem Cristo adora “em espírito e em
verdade”.
Em quarto lugar, e mais importante que tudo mais, o culto no Novo Testamento não
permita a manifestação de “dança sagrada” pelo fato de que toda dança, meneio
de corpos, requebros, fazia
lembrar o escárnio de Cristo. O Dicionário Teológico do Novo
Testamento de Kithel afirma: “Seja o fato dos soldados aqui estarem observando
um costume (religioso), específico, ou seguindo práticas do sacrifício persa,
por exemplo, ou estarem simplesmente expondo o suposto rei dos judeus ao
ridículo, é muito difícil ter qualquer certeza. Contudo, é certo de que este escárnio se dava num
contexto de dança e drama. Um show, um espetáculo, um ato público civil e religioso.
A dança cúltica fazia os crentes da Igreja Apostólica lembrarem-se da
horripilante coreografia desenhada a derredor do Salvador.
Hoje, vemos em
alguma Igreja Presbiterianas não propriamente a dança artística, ainda assim
condenável no culto. Pior que isso, vemos o requebro sensual, expressão de
carnalidade com ares de piedade.
Sendo assim, irmãos,
creio eu, que devemos orientar os irmãos. Todos nós juntos não permitiremos que
o produto da “criatividade” de alguns crentes inadvertidos e outros mal
intencionados, vá tomando fôlego em nosso meio.
PELOS LAÇOS DA CRUZ
DE CRISTO
Ex-secretário Executivo da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Rev. Ludgero Bonilha Moraes
Complementos
Diácono Rilvan Stutz - Escritor Apecom
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