Direitos Humanos
Na mesma revista em que leio a
reportagem sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH III) vejo, na
última capa, uma propaganda sobre um projeto social que envolvia a UNICEF e uma
conhecida e centenária fabricante de canetas europeia, desenvolvido a partir da
premissa de que “a habilidade de ler e escrever é um direito humano
fundamental”. Não se questiona o valor intrínseco da educação ou da saúde.
Contudo, em longo prazo, prejudicaremos a essência da lei.
Hoje, qualquer um pode fazer um
pleito, apresentando-o como "direito fundamental", pedir para um
advogado assiná-lo e submetê-lo para um juiz, depois, dar a razão. O sistema
legal tornou-se um catálogo de exigências individuais e, com o tempo, passou a
incluir as demandas de grupos arbitrários. O governante e o legislador deixaram
de ser garantes de uma certa coerência jurídica e transformaram-se em autores
de regras que satisfazem todos os tipos de interesse.
As reformas das Constituições
introduziram um inventário dos novos direitos: o direito à saúde, à habitação,
ao meio ambiente sustentável. Há outros projetos: a de igualdade de gênero para
as pessoas, não com base na diferença biológica, mas na livre escolha da
identidade sexual. Essa proliferação de novos direitos acaba por se tornar num instrumento
de luta política ou ideológica.
A lei, com efeito, vira um álibi
para o individualismo. Na ausência de uma linguagem ética comum, cada um apela
para seu modo de ser. Baseado no direito à saúde, na Holanda, a nicotina é
proibida nos bares, mas não na rua, ao contrário da maconha, vedada na rua, mas
liberada nos bares, o que, certamente, exige alguma atenção do fumante para não
acender o cigarro errado...
Também é um paradoxo que assuntos
públicos, como o aborto e a eutanásia, sejam relegados à esfera privada,
enquanto assuntos parcialmente privados, como o tabagismo ou o álcool, fiquem
sujeitos totalmente à regulamentação pública.
Entre os fatores que estão minando a
essência da lei está a inflação dos direitos humanos. Em muitas agendas
políticas, esses novos direitos são formulados de maneira vaga, sua aplicação
não pode ser controlada a posterior e acabam por se converter num instrumento
para outros fins que se afastam dos direitos fundamentais.
Um outro fator é a ideologização do
direito. Nas agências internacionais, existe uma gama de projetos puramente
ideológicos que criam “novos” direitos humanos, sem qualquer lastro na tradição
filosófico-jurídica greco-romana ou mesmo nos valores tradicionais do Ocidente.
O resultado consiste na redefinição
dos conceitos de pessoa, sociedade, ética... Não é à toa que a ONU, a mãe de
todas as ONGs, resolva a apoiar projetos de estabilização da população mundial,
de combate à homofobia e de acesso à saúde, entendida como um estado de
bem-estar total com a inclusão, é claro, dos “direitos reprodutivos”.
Contudo, a falta de coerência e o
vácuo moral desses programas virão à tona, como, aliás, tem acontecido com
outros sistemas inconsistentes, como o racionalismo ou um de seus filhotes
intelectuais, o marxismo. Não resistem à prova do tempo. Eis uma razão para se
trabalhar na criação de uma ordem feita na verdadeira medida do homem.
Um dos caminhos para devolver a
noção de valor ao Direito está em reconsiderar os conceitos de moral clássica.
Nela, o direito não existe sem a correspondente obrigação e uma obrigação só
existe em relação à uma determinada norma, uma regra geral. A moralidade de uma
ação não depende de seu efeito sobre os outros, exceto quando tal efeito é
diretamente procurado.
O fato de alguém se sentir ofendido
ou discriminado não converte minhas ações, por si só, em atos reprováveis. São
necessárias outras circunstâncias que demonstrem que a minha maneira de agir
violou lei moral. Direito e moral não são idênticos, mas se o sistema jurídico
se move longe da moral, suas prescrições perdem a legitimidade e a observância
da lei se reduz a um mero cumprimento estoico de normas.
Por Rilvan Stutz
Portal da Família
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