Não faz muitos anos que uma conhecida operadora de
cartão de crédito dizia, em seu comercial, que havia coisas na vida que não
tinham preço, mas, para todas as outras, existia o cartão de crédito dela
(embora o da concorrente fosse tão bom quanto)...
De lá para cá, ao que parece, o cenário mudou:
pode-se ganhar muito dinheiro perdendo peso em desafio televisivo; participando
de programa de exposição coletiva da intimidade alheia; vendendo o direito de
lançar toneladas métricas de gás carbônico na atmosfera; “terceirizando” a
gestação na barriga alheia e, como o céu é o limite, é possível ficar rica
(lamento: só para mulheres) leiloando a própria virgindade...
Vivemos numa época em que quase tudo pode ser
comprado ou vendido. O deus mercado e “sua mão invisível” passaram a governar
nossa vida como nunca. Com o fim da guerra fria, ele assumiu um prestígio sem
precedente, boa parte dele decorrente do fato de que nenhum outro mecanismo de
organização e produção de bens tinha se mostrado tão eficaz na prosperidade
material da maioria dos povos e nações.
Mas não nos demos conta de que, na medida em que
esse deus alcançava domínios cada vez maiores, seus valores – estritamente
econômicos – começavam a desempenhar um protagonismo cada vez maior não só no
mundo das trocas de bens materiais. Mas para além dele. E não demoraram a
adentrar na vida social. Nos dias atuais, a lógica do mercado não dá as cartas
somente para o regime de oferta e de demanda de bens materiais: conduz
crescentemente a vida como um todo.
Boa parte da crítica a respeito da última crise
financeira limitou-se a apontar a falha moral do triunfalismo do mercado à
ganância dos investidores, que os levou a assumir um grau de risco
irresponsável. E, como é crucial, a reprovação moral veio entoado pelo coro dos
desocupados de plantão, dos intelectuais engajados e dos desajustados
ideológicos, em mais um capítulo da série “muito barulho por muito pouco”.
Por muito pouco mesmo, porque o grau ensurdecedor
da crítica tornou o diagnóstico superficial: se a ganância teve sua parcela de
culpa na crise, a maior mudança no perfil do mercado não foi o aumento
estratosférico da ganância de seus agentes, mas a extensão do mercado e de seus
valores para esferas da vida com as quais não guarda qualquer relação natural,
como no caso da virgindade, que costumava ser perdida privadamente e não
leiloada mundialmente...
Quando o pensamento e as regras do mercado assumem
tal proporção na vida social, esta fica privada de um fundo moral. O mercado
não costuma julgar as preferências de quem atende. Pouco lhe interessa se certa
forma de avaliar um bem é preferível a outra. Se alguém estiver disposto a
pagar por sexo, vender um rim no mercado negro de órgãos ou alugar sua
participação numa passeata qualquer e, do outro lado, existir um adulto
disposto a negociar, a primeira pergunta será: “Quanto é?”
Para vencer esse quadro, contornar a ganância é o
menor dos problemas. Devemos, antes, repensar o papel que o mercado deve
desempenhar em nossa sociedade. E, se for necessário, devolvê-lo para seu
devido lugar. Para esse debate contemporâneo, precisamos analisar os limites
morais do mercado, perguntar se existem certas coisas que o dinheiro não pode
comprar e, ao fim, se for o caso, concluir que, para todas as outras, ainda existe
o cartão de crédito da dita operadora...
Nossa época – a era do pensamento
mercadológico – fala muito de economia e esbanja possibilidades inovadoras.
Realmente. Economiza no debate dos limites morais do mercado e esbanja inovação
ao faltar com critérios na escolha daquilo que pode ser comprado ou vendido.
Com respeito à divergência, é o
que penso.
Holdings - Tel Aviv - Jafra - Israel
O Blog - "A Serviço do Senhor"
Diácono Rilvan Stutz "O Servo com Cristo"
Eximo Sr. Juiz André G. Fernandes
Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro
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