MENSAGEM
A “conquista da natureza” pelo homem é uma expressão muito
utilizada no cotidiano científico. Num certo filme de ficção científica,
um protagonista disse que “o homem derrotou a natureza”. Em seu
contexto, essa afirmação portava uma certa beleza trágica, porque o
personagem que as pronunciou morria de tuberculose. “Não importa”,
prosseguiu dizendo, “que eu seja uma das baixas. É claro que, nessa
batalha, haja quem tombe dos dois lados. Mas isso não muda o fato de que
o homem está vencendo”.
Desde a virada do milênio, vivemos um período de grandes
oportunidades para o homem e para o mundo. E de grandes perigos também,
como em qualquer época histórica. Entretanto, considerando o grau de
saber científico e de domínio da matéria acumulados no século passado,
algo impensável no século retrasado, o homem apossou-se de um poder de
dispor do mundo a ponto de destruí-lo.
E isso, de certa forma, causa algum pavor, tornando aqueles
perigos ainda maiores.
Menos visível, mas não menos inquietante, são as
chances de automanipulação conquistadas pelo homem: as ciências
biológicas e as ciências exatas sondaram as profundidades da
constituição genética do ser, decifraram seus componentes e estão a
poucos passos, digamos assim, de construir o próprio homem.
O homem, consumada essa fase, passaria vir ao mundo como
produto de nosso agir e, logo, poderia ser selecionado segundo as
exigências de nossa natureza biológica ou de nossos interesses e
caprichos. O homem deixaria de refletir uma imagem transcendente para
ser o puro reflexo do próprio homem. Mas, de qual homem?
A julgar pelo progresso científico que aumenta em razão
diretamente inversa ao desenvolvimento de nossa energia moral, deve ser o
homem da ciência. O homem do laboratório. O homem do gabinete. O homem
cuja mentalidade técnica confina a moral ao âmbito estritamente
subjetivo e secundário, já que o importante é apenas o progresso da
ciência.
Essa situação agrava ainda mais aqueles perigos, porque rejeita
uma moral pública capaz de responder às ameaças que pesam sobre cada um
de nós e nossos descendentes. Prefere prosseguir justamente no caminho
do desequilíbrio entre as possibilidades técnico-científicas e aquela
energia moral.
Um certo nível de segurança que buscamos para o exercício da
ciência, necessário como pressuposto da liberdade e da dignidade humana,
não poder vir, em última análise, de sistemas técnicos de controle e de
protocolos normativos exclusivamente. Deve surgir da força moral do
homem, porque, onde quer que ela falte ou seja insuficiente, o poder de
criação do homem será transformado, cada vez mais, em poder de
destruição.
Nessa trajetória de “conquista da natureza”, arriscaria a dizer
que, no último estágio, o homem fincaria sua vitoriosa bandeira no
território do completo domínio de si mesmo, alcançado mediante a eugenia
e a manipulação pré-natal, somadas a uma educação e uma propaganda
conjugadas numa perfeita psicologia aplicada. A natureza humana
será a última parte da natureza a se render ao homem. Seremos livres
para fazer o que bem entender de nossa espécie. A batalha, então,
restará vencida. Mas quem exatamente a terá vencido?
Comecei o texto com uma expressão triunfante, sem pretender
menosprezar os benefícios desse processo de dominação sobre a natureza e
todo o sacrifício pessoal que os tornaram possíveis. Mas esse poder
científico crescente somente tem sentido quando a energia moral do homem
também cresce e na mesma medida.
E termino com uma afirmação preocupante: “um pensamento ardeu
na minha mente: por mais que o conhecesse, se me tivesse em seu poder,
não hesitaria em me usar em seus experimentos, em prol da conquista da
natureza. Afinal, existem baixas para os dois lados.” Foi a resposta
que, no filme, o interlocutor deu ao protagonista tuberculoso, depois de
seu último suspiro. Com respeito à divergência, é o que penso.
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Exmo Sr. Juiz André G. Fernamdes
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